A Cíntia ficou fascinada com a história da Je sobre os alemães que ela ouviu conversando. Como ela é uma psicóloga-curiosa-cientista resolveu fazer uma observação direta da situação e esse fim de semana se meteu numa festa de um alemão.
Ela foi com o seu parceiro, que inventa que é alemão, mas
ela anda bastante desconfiada que ele seja brasileiro. Mas falar que é alemão
dá um ar de segurança para as empresas europeias, diz ele.
Então ela chega no café e conta:
Seguinte gente! Fui ontem numa festa cheia de alemães.
Fiquei curiosíssima com a história da Je e observei algumas coisas parecidas
com o relato dela. Era uma festa de aniversário de um sócio do Daniel. Ele me
disse “Se arruma que o negócio vai ser barra pesada”. Acho que ele quis dizer “chique
no “úrtimo””, mas talvez confundiu “barra” com ouro, não sei. Eu fiquei em
dúvida se devia me arrumar chique para empresários ou para bandidos. Mas na
dúvida, coloquei roupa que minha mãe diria “agora sim!” já que muito bandido é
rico também.
Eu e o Daniel chegamos à festa e estava chovendo então eu
dei uma corridinha elegante até a porta de entrada. Tentando ser super
discreta, enfiei o salto em um treco de metal cheio de buracos e assim fiquei
presa. Quase levei o negócio junto e fiz a porta se transformar em duas. Antes
do desastre, alguns alemães falaram num tom baixo “ÓH! Ficou presa, eu te
ajudo”. O alemão não conseguiu sozinho “desenfiar” meu salto e quando vi já
tinha uns três alemães segurando minha perna e tentando tirar o salto. O Daniel
esbeltamente estava lá embaixo também. Eu olhava para baixo e pensava “o louco,
nunca pensei que teria tantos alemães aos meus pés”. Nisso, o Daniel consegue
tirar o salto e faz uma piadinha para tornar o clima menos ridículo.
Uma porta então se abriu e simplesmente derreti. O lugar era
lindo e organizado, claro. Era uma antiga vinícola, dentro era tudo de madeira,
havia uma árvore no meio do salão. Um casal tocando e cantando músicas antigas
inglesas, alemãs e até brasileiras. Alias, no fim da noite rolou lambada.
Várias mesas compridas, com uma toalha branca rendada, taças de vinho e
champagne. Bom, essa foi a primeira impressão ao entrar no lugar porque eu
estava com fome. Fizemos aquele jejum para poder fazer o arrastão na festa.
Tudo com muita discrição. Quando me dei conta tinha um alemão sorrindo para mim
e tentando cumprimentar. Olhei e já o cumprimento me parecia algo raro.
O cumprimento na Alemanha é muito importante, ele tem que
ser muito bem feito porque é o momento que você vai ser adjetivado como
“educado” ou “mal educado”. Então tem aquele sorrisão junto de uma balançada de
cabeça mais o aperto de mão. Deve demorar alguns segundos até a pessoa se
sentir “cumprimentada” ou envergonhada, que é meu caso. E assim foram alguns
cumprimentos durante a noite. A despedida é da mesma forma. E as frases são
sempre as mesmas “Es hat mich gefreut”, que é tipo um “Isso me gostou”, mas
significa “eu gostei”. Você ativa o “Es hat mich gefreut” na despedida e liga o
automático.
Ao sentar-se à mesa, tomei nota dos papos. Primeiro, piadas
com o sotaque das variadas regiões alemãs. Normal, nós fazemos isso também.
Algumas perguntas sobre o que eu faço, o que o Daniel faz, e conversas de
trabalho.
Era possível notar a diferença entre um alemão que está
relaxado e não está avaliando o próprio comportamento o tempo todo, e um alemão
que sente pressão de ser “socialmente aceito”. Alguns sorriem o tempo todo, ao
ponto de parecer um pouco bobo e te fazer evitar olhar para ele, pois pode vim
outro ataque de sorrisos estranhos. Ou a pessoa fica bastante quietinha somente
observando, o que me parece mais aceitável já que eu não preciso usar minha
munição de sorrisos quando não se há motivos para sorrir. Mas há uma pressão no
ar.
De alguma forma eu me policio também. Parece que uma piada
tem quer ser muito bem pensada para ser feita senão eu corro o risco de ser
avaliada como “dãããããã”. Até para comer é um desafio... Eu observo o jeito que
estou comendo quando estou perto deles. Maldita hora que peguei macarrão para
comer. Tem sempre aquele momento que o macarrão é maior do que você pensava e
você começa a chupar e não sabe quando será o fim... Aí fica aquela cena de
“sugamento” um pouco patética...
Claro, isso tudo é porque as pessoas não se conhecem... No
fundo, não somos tão diferentes. Só usamos mais gestos e palavras para quebrar
o gelo. E os alemães ainda estão a procura do que fazer para quebrar o gelo.
Mas todo mundo procura “o que fazer” quando não se conhece ninguém, mas quer
iniciar algum tipo de relação na festa. Até porque são poucos os que aguentam
ficar sentados sozinhos. Ainda acho que tinha um iphone escondido debaixo da
mesa desses.
Comida vem, comida vai, bebida chega, sobremesa, músicas e o
casal da frente passa a ser mais interessante. Parece que os alemães cuidam
mais antes de falar de coisas mais sérias, ou de suas vidas privadas, eles
precisam de um tempo, precisam se sentir mais seguros, e esse momento
normalmente chega. E quando chega é muito bacana. Trocamos histórias de vida
com o casal e tem um ponto que você sente “não importa mais como eu como meu
macarrão”, agora eu posso relaxar. E o casal nos fez sentir assim.
Quando você cria esse elo com os alemães você cria algo
muito interessante. A maioria dos amigos alemães que temos tentam mostrar
bastante suas sensibilidades e carinho por nós por meio de surpresinhas,
cartões, ligações não marcadas e encontros. É muito importante dedicar tempo
aos amigos. Quando esses encontros acontecem há muita preparação. Um bom
jantar, um bom vinho, um piquenique com direito a flores, velas, caminhadas com
docinho que seu amigo gosta, parece que eles cuidam de pequenos detalhes. Esses
detalhes parecem significar “amigo, te adoro”. E é nesses momentos que você
olha para o rostinho deles e pensa “esse Es
hat mich gefreut não é o do piloto automático”... Nesses momentos eu já
aproveitei para dar um apertão neles.
Então me parece que é isso... Alemão precisa de tempo para
se soltar. Mesmo que algumas manias permaneçam, são manias passíveis de virarem
piadas se você os conhece bem.
Eu vou embora da festa, tomo cuidado com meu salto e penso
“nada mal”. Um alemão quando gosta de algo não fala “foi muito legal”, fala
“foi nada mal” (“nicht schlecht”).
Jerusa olha para a Cíntia, com aquele sorriso encantador que
ela tem e diz “é bom descobrir que há diferentes maneiras de amar, assim
ninguém cobra do outro como deve se amar”.
E vocês? Como é a maneira de vocês amarem?
Cíntia
Nossa, adorei!
ResponderExcluirE me identifiquei com essas situações "constrangedoras" quando você não conhece alguém, no Brasil também acontece mesmo!
Acho que quando vc começa a identificar assim profundamente as relações em uma cultura diferente, é quando vc realmente faz parte do país :)
Muito bom Cíntia, identifiquei bastante meus parentes alemãos feitos no Brasil com esse texto, a parte de demonstrar com pequenos detalhes o carinho é bem presente na minha sogra por ex.... muitas coincidências e no final somos todos muito parecidos.
ResponderExcluirQue bom que você gostou Camila! Quando quiser, pode me dar mais sugestões! Beijão!
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