sábado, 7 de dezembro de 2013

Um ano de Grão-Ducado




Um ano atrás defendi minha dissertação de mestrado e no dia seguinte me mudei para um pequeno país da Europa, que tive que pesquisar no Wikipédia para saber o que diabos tinha lá, chamado de o Grão-Ducado de Luxemburgo.

Aqui não poderia ter rei, ninguém é rei de um país de 500 mil habitantes, o mesmo número de habitantes que Florianópolis, no Brasil. Então ele é Grão-Duque, o único do mundo ainda, o que torna ser rei fora de moda. Nem com Arquiduque ele precisa disputar mais.

Há um ano, cheguei nessa terra nobre com mil expectativas de trabalho, vida pessoal, e vida social. Todas elas acabaram por me surpreenderem. Putz, nenhuma foi como eu planejei ou imaginei.

Como diz meu caro amigo (quem dera) Rubem Alves: “Eu cheguei aonde cheguei porque tudo que planejei deu errado!”.

Retrospectiva de 2013:

1 – Eu adoro neve, por 2 semanas, por 4 meses me dá raiva e falta de vitamina D.

2 – Fazer bons amigos é sim fácil, pelo menos no Grão-Ducado, há tantos imigrantes carentes de amigos que você acaba se tornando um elo de apoio social.







3 – Às vezes você tem que tirar da sua vida, pessoas que não te fazem bem. Você pode até ajudar no começo, mas se a pessoa não quer mudar, você não precisa se dar uma de Pequeno Príncipe. Amigos são para te fazer bem...

4 – Não é porque você é brasileiro, que se encontra com outro brasileiro no exterior que vai amá-lo incondicionalmente. Às vezes é totalmente o contrário!! A garota da Malásia pode ter muito mais a ver com você...

5 – Você nem sempre tem controle da vida... Fato. Passei anos aprendendo sobre “controle” e a natureza mais sábia e bem-vinda mostrou outras variáveis incontroláveis, como a morte. Nem tudo que você come, faz e preveni, garante a sua vida ou daqueles que você queria que tivessem vindo ao mundo...

6 – Verão na Europa é definitivamente maravilhoso...

 


7 – Festivais, festas e confraternizações grão-ducais espalham alegria e diversão de uma maneira arrebatadora...



 




8 – Não há emprego para todo mundo no Grão-Ducado.

9 – Há muitos mendigos e usuários de drogas no Grão-Ducado.

10 – Uma população de 537 mil pessoas no fim de semana, aumenta para 750 mil no meio da semana.  São os chamados de frontaliers – os amigos da França, Bélgica e Alemanha que vem aqui desfrutar dos bons salários, mas continuam pagando os bons aluguéis de seus países. 

11 – Luxemburgo é um país onde 71% dos assalariados não tem a nacionalidade do país em que trabalham.

12 – O Grão-Ducado é um país em que em 2060 vai quebrar, pois não terá dinheiro para pagar todos seus aposentados, inválidos, assegurados socialmente, funcionários públicos, etc., de acordo com uma economista francesa muito elegante, de uma palestra que assisti na Câmara do Comércio. Como os europeus adoram uma guerra, melhor começar a pensar no Plano B. 

13 – Posso trabalhar em português para portugueses e brasileiros conhecendo a pessoa certa, numa hora bem difícil da vida de uma mãe. Obrigada Teresa!

14 – Luxemburgo é um país em que se fala um francês muito lindo e devagar, tornando a vida do imigrante mais fácil para logo aprender!

15 – Luxemburgo é um país em que falo com o médico em alemão, com alguns amigos em inglês, com a vendedora em francês, no trabalho em português e tenho que fazer caretas do tipo “What the fuck?” quando escuto luxemburguês. 

16 – Estar na Bélgica, Alemanha e França em 20 minutos.

17 – Dar a oportunidade do pai e da mãe verem pela primeira vez na vida neve. Vê-los acordados às 7h da manha de pijaminhas olhando a neve e quase batendo palmas. 

18 – Receber a irmã e fazer trilhas incansáveis de papos e filosofia no pior dia de frio.



19 – Receber os amigos brasileiros na primeira vez em que eles vêm para a Europa. Ver o amigo engenheiro olhando os cantos mais obscuros de sua casa e calculando como funcionaria isso no Brasil, ver a amiga enfermeira encantada com o sistema de saúde do Grão-Ducado. Ver os dois em uma festa medieval alemã felizes atacando as salsichas e batatas.

20 – Sentir muita falta do Brasil, da família e amigos que estão lá, e bolar planos malignos para juntar os dois mundos e ficar com o melhor deles em qualquer lugar que seja...

O que virá em 2014?

- Quando é essa festa com salsichas e batatas? – Café da Je.
- Em julho.
- Putz... Bem quando é a copa do mundo no Brasil... – Café da Je.
- Está vendo porque precisa se juntar esses dois mundos?
- Verdade... Ei, porque toda vez que escrevemos Grão-Ducado, o corretor muda para Grão-de-bico? - Café da Je.
- Porque nem ele entende como pode ainda nesse mundo moderno existir uma coisa como essa.



Cíntia

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Os cabelos da mineira


Eu sei que ela é carioca...
Eu nunca pensei que um cabelo feminino mexeria tanto com meus sentidos... Eu via tantos cabelos no Brasil, das mais variadas cores e ondas, tamanhos e temperaturas... 

Ontem eu estava num ônibus, ou autocarro, como venho dizendo ultimamente e vi uma jovem aparentemente normal até ela começar a mexer com seus cabelos. Ela passava as mãos neles de uma forma que parecia que eles a protegiam do frio, dos outros e das inseguranças...

De repente, a jovem começou a ficar mais bonita ainda. Um sorriso escapou, o cabelo se tornou mais esvoaçante e ela parecia estar unicamente ali no ônibus para fazer as pessoas felizes.

O que me dei conta é que ela parecia me acalmar. Ela me lembrava do Brasil. A sua maneira de passar as mãos no cabelo, a delicadeza de seu sorriso, o charme de todo seu ser me era comum. Comecei a me perguntar se ela era brasileira. Não é tão difícil assim encontrar brasileiros pelo Grão-Ducado.

Uma sensação de alegria tomou conta de mim. Imaginei meus amigos e os charmes que eles têm. Eles falando em “brasileiro” com seus sotaques mais diferentes. O calor, a água de coco, as risadas e os bares cantando.

Alemão aproveitando a água de coco


O cabelo da menina era de um castanho bem claro, bem liso por fora e ondulado por dentro. Muito brilhoso, sedoso, bem cuidado e encantador. Talvez porque o cabelo era parte de um ser tranquilo, sorridente, charmoso.

Pensei: o que há no brasileiro (a)? Sou eu que os vejo assim tão interessantes, por ser brasileira e sentir algo de “casa” perto deles quando estou morando fora? Os portugueses, alemães, franceses sentem-se da mesma forma que eu quando veem um compatriota? Ou eles realmente têm algo de diferente?

Quando alguém me pergunta aqui em Luxemburgo:

- De onde você é?

Eu sempre digo com um tom de alegria e orgulho: “Do Brasil”.

Mas da onde vem isso? Quem criou esse orgulho? Será que é porque nasci na época da Ditadura e a creche e a escola fizeram um bom serviço ao Estado?

Inverno na Bahia!

Mas meu cunhado alemão nasceu no DDR (Deutsche Demokratische Republik – digamos assim, a ditadura comunista alemã) e nem por isso sente essa paixão pelo seu país.


O que é muito frequente aqui também é quando digo que sou brasileira, sai um sorriso daquele (a) que perguntou: “É mesmo? De que cidade? Adoro o Brasil” e assim por diante. Enquanto dos meus colegas “Sou da China”, e o povo “Ah, ok”.

Talvez o diferente é o fato do brasileiro ser uma mistura de nações, culturas e identidades e ter conseguido admirar isso. O que os torna fascinantes. Claro, alguns, nem todos. Quando lembro da bancada evangélica política radical brasileira querendo curar gays e dar Bolsa Estupro não sinto nada de fascinante nisso, e sim vergonha.

Só tem gatinhas no Pelourinho
Antes de sair do ônibus fui perto da moça e perguntei: - É brasileira?
Ela: - Sou sim. De Minas e você?
Eu: - Fui feita no nordeste, nasci no sul, morei em Minas e São Paulo.
Ela: - E eu sou de Minas, Rio e Bahia.

Até no nosso país somos imigrantes.

Você sente essa paixão por um compatriota quando está no estrangeiro?

Lílian

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Jantar indiano, intestino europeu



Há algo de indiano nas minhas veias. Não lembro a primeira vez que notei isso, mas reconheço no meu corpo o êxtase relacionado a algumas experiências indianas.  

Uma vez que viajei para a Turquia, vi na parte histórica da cidade de Antalya, o pessoal de Bollywood filmando. Eu abri a boca e paralisei vendo aquela cena linda e absurdamente normal de um casal de indianos típicos bollywoodianos se beijando a beira de ruínas antigas com uma música romântica ao fundo.
Foi o melhor que consegui, depois de enfrentar a segurança

A cozinha indiana então...  Sempre me desafiou. Chicken curry não deveria ser chamado Chicken Pimenta Power? Mesmo com a boca soltando fogo eu precisava continuar comendo aquela delícia...

Sempre fiz amigos indianos. E perto deles arrisco um sotaque amigo do tipo:

Aqui em Luxemburgo não foi diferente. Quem me deu a primeira oportunidade de trabalho foram indianos. Eles logo ficaram contentes comigo porque eu parecia very very very indiano. Eu os conquistei de cara quando falei de Aamir Khan, meu ator preferido indiano, e dos filmes dele que vi (que posso recomendar): 3 idiots, Como estrelas na Terra (se prepare para se matar de chorar), Lagaan e Talaash. Além dos outros filmes, sem o Aamir Khan: Meu nome é Khan (não esse Khan), Samsara (maravilhoso filme sobre as diferenças de responsabilidades que as mulheres e homens tem), Guzaarish (filme sobre o direito de decidir sobre sua vida, a eutanásia) e bem, sou suspeita, adoro mesmo um filme brega indiano. Só de eles dançarem já me animam. Mas esses que citei acima são realmente muito bons.

Aamir Khan
Bom, na hora os indianos sorriram muito e contaram das brasileiras que fazem fama em Bollywood, na terra em que loiras e siliconadas não tem vez.

Desde então trocamos informações culturais. Eles já me emprestaram um livro de contos infantis e vamos dizer que fiquei um pouco chocado. Assim como as canções de ninar brasileiras falam de assassinatos, sustos, medos, pancadaria, mortes, os contos indianos também...

Logo, nos tornamos amigos.

No último fim de semana eles me convidaram para uma janta. Convidaram meus amigos também, e foi uma noite muito interessante. Primeiro porque você se sente tão relax como na casa de um brasileiro (os legais né), então se espatifa no sofá, abre a geladeira, pega comida antes que o povo avisa se pode pegar, fala em inglês-hindi com o filhinho deles, etc.

Giselli Monteiro, brasileira em Bollywood
Os pratos foram deliciosos! Mas nem tudo eu entendi o que era, porque tinham tantos nomes indianos sem tradução que eu simplesmente abocanhei sem pensar muito. No início tinha uns bolinhos salgados tipo falafel que eu comi como se fossem o prato principal de tão gostosos. Torci para que tivesse ainda espaço no meu estômago. Daí depois chegou o prato principal – arroz (claro), naan (pão indiano), chicken curry (óbvio), lentilhas (feitas como nós fazemos, mas com muitos temperos e coisas boiando na panela), batata com ervas, berinjela com óleos exóticos (qualquer um que não seja de girassol ou olivas). De sobremesa teve chá de gengibre e tabule de manga. Ao fim da noite eu parecia o primeiro homem grávido da história do Grão-Ducado.

Durante a janta os indianos (tinha uma boa representação lá) lembraram-se de como é bom comer com a mão. Que o gosto da comida é outro. Então alguns começaram a comer com as mãos e o alemão que foi comigo ficou intrigado... Logo logo, os indianos exigiram que ele tentasse também e assim ele o fez. É uma técnica que exige alguns minutos para aprender. Imediatamente o francês que estava lá, esqueceu a sua educação nobre, largou o garfo e utilizou suas mãos. Eu fiquei bem quietinho escondido atrás do chicken curry, porque ainda não estou pronto para tal experiência.

Chicken Curry
No fim da noite cada um foi para sua casa com uma revolta nos intestinos. Eu imagino a felicidade de todos quando puderam estar num cômodo sozinhos para iniciar o tiroteio provocado por temperos desconhecidos.

Está marcado. Eu tenho que um dia ir para a Índia. Mas não como turista. Tenho que ter tempo para viver lá e talvez até tentar minha carreira no cinema. Depois que eu aprender a dominar meu intestino.

Quem é fã da Índia também?

Renan

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A brasileira, o inglês e a espanhola no Café des langues



- Ouvi conversa alheia de novo! – diz envergonhada Jerusa.
- Conta! Conta! Conta! – diz os amigos nenhum um pouco envergonhados.

Bom, eu participei essa semana do Café des langues (Café das línguas) aqui em Luxemburgo.

- Você também está morando pelo Grão-Ducado? Está uma confusão isso aqui.

E o Café funciona assim, você se inscreve, chegando lá eles te perguntam que língua você quer falar e te encaminham para uma mesa da língua desejada. Eu queria falar francês. Então eles me colocaram numa mesa com um inglês, uma espanhola e uma brasileira.

Os três me contaram que se conheceram na aula de francês. E dentre o povo todo que conheceram eles se olharam e acharam que seus gostos e desgostos eram mais parecidos que do resto. 

Café des langues de julho
A espanhola falava muito bem francês. A brasileira e o inglês se enrolavam, mas falavam. Conversamos por muito tempo. Fiquei curiosa com os três. Eles pareciam de idades diferentes, de estilos diferentes, e estavam lá se divertindo.

Despedi-me deles, virei uma mosca e os segui.

- Hein??

Eu acho tão incrível o início de uma amizade. Não os primeiros “olá, o que faz?”, “mora quanto tempo aqui”. Mas aquele momento em que a presença do outro não é mais estranha e você se sente muito a vontade para conhecê-lo e fazer perguntas que não faria antes.

Eles foram para um kebab, o que parecia os fazer muito feliz pela voracidade em que comeram aqueles sanduíches turcos e conversaram sobre a vida, desabafaram, riram e se questionaram.

Você sabe quando conquistou boas amizades quando estar perto delas te faz sentir muita paz, tranquilidade e carinho (além de tudo aquilo não contentado nesses 3 substantivos).  O que você talvez não sabe é que se expressar em outra língua pode trazer outros tipos de sentimentos, como o de vergonha por não falar como um nativo. Mas o inglês ali parecia nem se importar com o sotaque e erros gramaticais das latinas. A humildade provavelmente faz você ser um melhor amigo. Assim que elas pareciam se sentir na presença britânica. Livres para errar.
Kebab - dürüm

É bonito de ver como a amizade não tem regras sociais e muros que não podem ser combatidos ou pulados. Nunca talvez eles imaginariam que sentiriam conforto nas palavras de amigos de outra nacionalidade. Muitos anos atrás isso talvez seria improvável.

Relacionar-se com alguém de outra cultura, outra nacionalidade faz você questionar muita coisa que aprendeu como regra social, moral, cultural e "nacional" de seu país... Parece que a cada passo no estrangeiro você se torna mais livre emocionalmente.

- Je, mas você não vai nos abandonar, não é?  - temem os amigos.
- Claro que não, vocês são brasileiros, cada brasileiro contém mil nacionalidades diferentes e tanta variabilidade de comportamentos! ADORO! Só deixo uma recomendação: amigos ingleses e espanhóis podem alegrar seu dia! - Je

Jerusa