segunda-feira, 20 de abril de 2015

Rabenmutter, a mãe egoísta


Trabalhar é uma escolha livre da mulher-mãe? Ou estará ela sujeita a julgamentos?

Em muitos países, como o Brasil, EUA, França, Islândia, as mulheres retornam ao trabalho antes de seus bebês completarem 6 meses de vida. Já na Alemanha ser mãe e trabalhar não combina semanticamente na mesma frase!
Para luxemburgueses e seus 50% de imigrantes, trabalhar e ser mãe não é assunto polêmico. Eu tenho muitas amigas mães aqui em Luxemburgo. Elas são de várias nacionalidades, algumas trabalham outras não. Quando eu voltei ao trabalho o Benjamin tinha 5 meses, nenhuma delas em nenhum momento me disse se o que eu estava fazendo era certo ou errado.

Porém na Alemanha, eu senti que mães que voltam logo ao trabalho não são exatamente bem-vistas... Esse sentimento não é só meu. Algumas americanas que conheci na night, que moram na Alemanha sentiram a mesma desaprovação de mães alemãs ao voltarem cedo ao trabalho.
Pera aí... Sou mãe, namorada, trabalho e vou pra balada???

Yeah, baby



Na Alemanha existem homens, mulheres e mães. A Alemanha é um país desenvolvido, rico, liberal – tem seus muitos gays políticos. União estável entre gays e lésbicas é algo comum e trivial, não seria tema principal de nenhuma novela, já que a maioria das pessoas não liga para o que você faz com sua vida sexual...

Os homens e mulheres aparentemente têm direitos igualitários no trabalho. Até você se tornar mãe. Mãe... Não pai.

Na Alemanha, existe o Mutterschutzfrist (licença maternidade), que consiste no período de 6 semanas antes da data prevista do parto e 8 semanas após o nascimento do bebê. Após o Mutterschutzfrist começa o Elternzeit ("tempo para os pais"), onde pai e mãe decidem quando tempo de dedicação total e exclusiva vão dar ao seu bebê. Este período pode ser de no mínimo 6 meses e no máximo 3 anos. O homem também pode tirar, desde que a mulher volte a trabalhar. Os primeiros 12 meses são remunerados, os demais não.

Muitas alemãs aproveitam essa oportunidade para passar os 3 anos em casa (raramente o homem pega mais que 2 meses). Às vezes 6 ou 9 anos, quando engatam uma ou mais duas gravidezes. Outras passam um ano e meio, ou somente o primeiro ano, depende muito da mulher.

Mas raramente, uma mãe voltará ao trabalho quando o bebê tiver 4 meses, como é no Brasil, ou 3 meses, como é na França.

Alias, uma mãe que volta ao trabalho tão cedo, pode ser considerada uma “Rabenmutter”, uma mãe egoísta, que não quer cuidar dos filhos. Isso é culturalmente muito mais forte do que eu imaginava. 

Mãe corvo, vulgo, uma mãe ruim
Ps: o que os corvos fazem com seus filhotes? Alguém sabe me dizer?

Se formos fazer um exame mais preciso, encontraremos outras variáveis que influenciam nessa decisão. A lei dos 3 anos de afastamento do trabalho, criada em 2000, provavelmente não foi criada somente pensando no bem das mães, mas sim, para aumentar os índices de natalidade da Alemanha. O país vive há muitos anos abaixo do índice considerado essencial para aumentar uma população, que é acima de 2. A Alemanha tem o índice de 1.38 nascimentos por mulher, considerado muito abaixo do desejado.

Taxa de nascimento por país europeu, os nomes estão em alemão, mas dá para ter uma ideia de qual país é. A Alemanha está em vermelho. O país com maior taxa de natalidade é a Islândia, depois vem Irlanda, Turquia, França, Suécia, Noruega, Grã-Bretanha, Finlândia... Ufa... O países com menores taxa de natalidade são Alemanha, Polônia, Romênia, Espanha, Portugal, Hungria e Letônia. A Alemanha está praticamente junto com países que sofrem crises econômicas

Porém, a criação dessas leis em relação a maternidade e paternidade não funcionou para aumentar a taxa de natalidade. Por quê? Primeiro, as empresas não são muito “family-friendly”, um bom trabalhador vai ficar no trabalho das 8h às 18h ou até mais tarde. Em países family-friendly, como a Noruega, as pessoas trabalham até às 16h ou 16h30, podendo passar mais tempo com suas famílias e filhos. No país da Oktoberfest, não há muitas vagas nas creches, e quando há, são poucas cuidadoras para muitas crianças, o que não é muito bom. As creches também ficam pouco tempo abertas, às vezes só meio período, o que impossibilita muitas mulheres de trabalharem. Muitas pessoas então decidem focar somente na carreira, em vez de ter que escolher somente pela maternidade, ou no caso do homem, ter pouco tempo para a família. Outro problema, o de que algumas mulheres desejariam voltar cedo ao trabalho, mas seriam mal vistas por uma comunidade muito grande.

Na época do DDR (Deutsche Demokratische Republik – República Democrática da Alemanha) a maioria das mulheres retornava ao trabalho quando os bebês tinham algumas semanas de vida, trabalhavam em menores períodos, mas não perdiam sua vida no “workforce” (força de trabalho). O Estado também não estava interessado em perder parte de sua população porque agora elas seriam mães, e por isso garantiu creches para todo mundo... Culturalmente essa revolução não pegou. A Alemanha é ainda bem conservadora quando o assunto é maternidade. Apesar de que não há nenhuma relação entre bebês que foram cedo para creche com problemas psicológicos e afetivos. Alias, muitos alemães que conheço foram cedo para creches, e são pais e pessoas maravilhosas!


As imagens de uma creche no DDR eram provavelmente essas

E não essas!

E o papel do pai? É prover financeiramente para a família. Ninguém critica um pai por voltar logo ao trabalho, ou não pegar seus meses de licença paternidade. Já na Suécia, os pais são mal vistos se não tiram sua licença, o que criou uma cultura, em que os pais também devem passar tempo com seus filhos e ajudar nas tarefas de casa.

Na Islândia, mães e pais têm os mesmos direitos. Ganha-se uma licença de nove meses ao todo, três meses para a mãe, três meses para o pai e outros três que podem ser usados e divididos pela mãe e pelo pai do modo que o casal quiser.

Essa regra além de dar valor igual a mães e pais desde o início traz uma vantagem a mais, a de que as mulheres deixam de ser um fator de risco por causa da maternidade. Caso uma empresa considere o risco de contratar uma mulher, terá de encarar o fato de que o homem apresenta o mesmo risco, ainda mais quando um pai que não usufrui de sua licença paternidade é tido como irresponsável e acaba mal visto pela sociedade.

Com isso, as mulheres sabem que podem se educar e ter uma carreira bem sucedida, mesmo com filhos. E os números confirmam: 88% das mulheres em idade economicamente ativa trabalham, a mais alta taxa de participação feminina no mercado de trabalho do mundo. Ao mesmo tempo, a taxa de fertilidade na Islândia é uma das mais altas da Europa, com uma média de dois filhos por mulher.

O fato de que aqui a maternidade não se opõe ao trabalho ou ao estudo muda toda a estrutura de vida das mulheres. Elas não se sentem obrigadas a encaixar suas vidas no esquema escola-trabalho-casamento-filhos, o que abre inúmeras portas (os últimos 4 parágrafos foram reproduzidos exatamente do texto original, todos os links estão ao fim do texto).

O estranho é que essas características na Islândia, fez com que as taxas de natalidade aumentassem. Isto é, um país que em que as mulheres logo retornam ao trabalho e os pais são vistos como pessoas que tem um papel tão importante como o da mãe, proporcionou uma decisão mais fácil de aumentar o número de filhos. A Islândia também é um dos países com uma taxa de divórcio baixa, comparada com outros países da Europa, em que são muito altas, inclusive, da Alemanha.

Se quiserem ver os outros países aqui vai o link



Em alemão existe uma palavra para descrever uma mãe egoísta, mas nenhuma para o pai... Não existe um "Rabenvater"... Quando se fala em desenvolvimento do bebê, só escuto do quanto a criança precisa da mãe. Em que se baseiam essas teorias? Para mim, na minha vida, uma criança precisa tanto do pai, quanto da mãe, quanto de uma comunidade inteira, cheia de amor, novas experiências e ricas interações para proporcionar a criança.

Um bebê ser criado sozinho em casa por somente uma pessoa de referência é algo totalmente novo, vamos dizer, de uns 50 ou 60 anos para cá. Alias, muitas mulheres queimaram sutiãs, porque se viam não só como mães, mas sim como mulheres, trabalhadoras, amantes, amigas, pessoas atuantes na sociedade e com papéis diferenciados .


A maioria dos pais (os da classe média principalmente) consideram importante que os filhos estudem, aprendam, façam um curso universitário. Isso eu incluo, filhas também. Nunca meus pais me falaram que eu estaria estudando muito para um dia parar tudo e cuidar somente dos meus filhos.

Meu filho é sim a coisa mais importante do mundo para mim. Mas eu sei que eu seria provavelmente a coisa mais importante para ele por um período, ele terá muitos amigos, uma namorada (ou namorado, quem sabe?), e seus próprios filhos um dia. E ninguém espera dele: estudar, trabalhar muito, ralar, e depois ficar em casa cuidando de seus filhos por muitos anos. 


Uma mãe que se ama, é o melhor exemplo para os filhos aprenderem a se amarem. Ninguém vai me convencer que só há um jeito de amar. É possível ser mãe, amorosa, presente, trabalhadora, mulher e amiga tudo ao mesmo tempo. Talvez não com o corpo mais elegante do mundo.



Como ficariam então famílias que há somente pai e filhos, por exemplo? Seus filhos teriam problemas de desenvolvimento por não terem uma mãe, por terem que ir para a creche? Como ficariam famílias gays? Lésbicas? Famílias em que os cuidadores são os avós? Acho que existem muitas formas de se educar alguém, sem que as pessoas sejam prejudicadas por não “combinarem” com o estilo clássico de criação de filhos. Alias, qual família é clássica hoje em dia?


É uma escolha - julgar ou tentar entender a dinâmica diferente de uma família que não a sua. Provavelmente só uma dessas escolhas te torna mais tranquila e com um número maior de bons amigos e experiências de vida (para você e seus pequenos)...


Algumas mulheres que persistiram em suas vidas profissionais recheiam a vida do meu pequeno Benjamin - sua médica, educadora, diretora da creche, doula, parteira... Vou dizer que o Ben gosta da participação delas em sua vida.

Talvez o fato de em Luxemburgo as pessoas serem expostas a várias culturas, fazem elas perceberem que não há tantas certezas na vida. Não há dicotomias como “o certo e o errado” e por isso, em Luxemburgo as mamães se julgam menos. A maneira de criar os filhos são tão diferentes que ninguém pode dizer se o que você está fazendo é certo ou errado. Então, elas simplesmente aproveitam as amigas e seus bebês.




As pessoas muitas vezes se enganam com a palavra “cultura”, como se o fato de ser “cultura” - um comportamento, uma tradição repetida há tanto tempo que as pessoas esqueceram de suas origens - fosse por si só “bom”. Quando mistura então cultura com nacionalidade, a coisa fica mais difícil de ser vista com outros olhos. Questionar sua própria cultura não diz que você não vê várias características interessantes, eficientes e boas dela, só quer dizer, que nem tudo é perfeito, correto ou melhor, de que como os outros fazem...

Por último, vou deixar uma pulga atrás de suas orelhas (ela ainda está na minha): Qual a relação entre altas taxas de divórcio, baixas taxas de natalidade, poucas mulheres em cargos de liderança na Alemanha e na força de trabalho tem em comum? Ainda não faço a mínima ideia.


Cíntia

Links:

http://www.dw.de/viel-geld-wenig-erfolg-familienpolitik-in-deutschland/a-16875694 

http://www.workingmother.com/special-reports/what-moms-choose-stay-home-or-work 

http://www.nytimes.com/2011/06/29/world/europe/29iht-FFgermany29.html?_r=2&scp=4&sq=germany%20women&st=cse









http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0885200606000251
http://momastery.com/blog/2012/01/04/2011-lesson-2-dont-carpe-diem/

http://www.bib-demografie.de/SharedDocs/Publikationen/DE/Broschueren/keine_lust_auf_kinder_2012.pdf?__blob=publicationFile&v=17 

http://www.nytimes.com/2010/01/24/fashion/24marriage.html?pagewanted=all&_r=0

http://blogs.iadb.org/ideacao/2015/03/09/como-vivem-mulheres-pais-mais-igualitario-mundo/



4 comentários:

  1. Eu li em outro post que você publicou que as creches antes dos 3 anos são muito caras, por volta de 900 euros, fiquei curiosa para saber como você fez com o Benjamin. Você conseguiu um emprego que pudesse pagar esta quantia?

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  2. Olha, o casal trabalhando já é bem melhor que somente um dos dois. E o governo dá uma ajuda para pagar a creche, dependendo de quanto você ganha, que chama "chèque-service". O problema maior aqui de Luxemburgo, acho que são os aluguéis. Para um apartamento de 2 quartos, 80 m2, você paga uns 1500 euros :(

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  3. Cíntia, obrigada pela resposta! Vi em outro post que você morou em Floripa, eu moro aqui em Floripa há 5 anos e estou pensando em migrar para Luxemburgo, pois consegui a cidadania luxemburguesa através do meu tataravô. Estou adorando seu blog e leio sempre que tenho um tempinho. Posso adicioná-la no Facebook?

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