sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O bebê está com fome, né?



Era uma dessas vezes desastrada, que eu estava no busão, indo encontrar minhas amigas mamães enquanto o Ben dormia e produzia seus sons de urso o povo olhava interessado:





O ônibus parou no meu ponto, e bem na hora que estou descendo o Ben acorda, a chuva fica mais forte, e eu não posso tirá-lo do carrinho, muito menos o plástico envolto para proteger da chuva e do frio.


 
Ben dando o primeiro aviso de que quer sair do carrinho

Paro em outro ponto, para pegar o próximo ônibus e procurar minha amiga que devia estar lá me esperando. 


Assim que eu consigo me proteger da chuva, começo a tirar a proteção do carrinho para ver o que estava acontecendo com o Senhor Benjamin. Nesse momento ele já tinha o sentimento de que estaria condenado a ficar no carrinho pela eternidade e mostrava seu descontentamento com muito furor. Duas mulheres me escutaram falando português e começam a falar... com o Benjamin:


- Ó querido, o que você tem? Está com fome, né?

- Não, ele comeu faz 20 minutos. – eu digo já meio com raivinha. Quer ver uma coisa que detesto? Receber palpites e tais tipos de comentários na rua.

- Então, está com soninho, né?

- Não, ele acabou de acordar. – raivinha vai ficando raivona.

- AH! Então mamãe não quer deixar você ver o mundo? Ela fica te deixando com esses panos na cara, né?

- Ah, não, vai começar... – digo para elas já com a indignação que anteriormente o Ben apresentava no carrinho.



Diz aí uma coisa mulherada mamãe! Quem é que gosta de receber dicas, conselhos, palpites e pior críticas de desconhecidas na rua??? Desconhecidas porque nunca um homem palpitou para mim. No máximo, quando o Ben estava chorando eles olharam com cara de pena (ou com cara de “por favor, faça esse bebê parar de chorar”).



É tão raro encontrar alguém que se dá conta de que está fazendo justamente aquilo que critica ou não gosta nos outros. Pior ainda, é raro encontrar alguém que duvida um pouco de si, as pessoas tem tanta certeza de que estão fazendo o certo (alguém pode me passar um pouco dessa certeza?), que são capazes de criticar alguém na rua sem saber nada da vida da pessoa. Olham para um comportamento que presenciam em um determinado momento sem saber o que estava acontecendo antes daquele comportamento ser apresentado e lascam suas opiniões nada bem vindas. 





Eu converso desse fenômeno com muitas amigas mães. Um belo dia, a minha amiga mãe Josi, me passou um artigo que caiu como uma luva na minha indignação!



O artigo é em alemão, infelizmente, e o título, que já diz muito é “Mães, relaxem!”. A autora, uma médica, Bernadette Grohmann-Németh, também anda indignada com a falta de empatia entre as mamães. Se alguém quiser ler em alemão, aqui vai o link, se não, vou fazer um resumo do artigo, que vai mais ou menos nessa direção:



Este fenômeno “receber palpites e críticas sem ter pedido por eles” muitas mães conhecem. Em lugares públicos, ou entre cochichos, as mães estão sempre sujeitas à crítica; e não importa o que elas façam, há sempre alguém para apontar o dedo ou mostrar que faria melhor. Com os pais as críticas são mais brandas; já que sem muito esforço, eles são vistos como heróis (pelo simples fato de serem pais).





É como se existisse uma divisão entre as “super mães” aquelas que entendem de tudo e tem filhos felizes sem problemas algum e as “mães mais ou menos” aquelas que você vê o filho chorando no mercado, no ônibus ou o filho com o nariz escorrendo.





Tudo começa na gravidez. As que querem um parto normal sem intervenção médica são as mães boas e essas estão dispostas a mostrar para as outras como elas são ruins. E daí nunca mais para! As mães que deixam os bebês chorarem para dormir são as mães más, as que dão chupetas são sem paciência, as que passam madrugadas sem dormir são as boas (claro, tudo depende de onde essa mãe mora, pode ser que aí na sua terra, seja o contrário do que foi descrito), e por aí vai.



Depois, as que colocam cedo em creches, estão sujeitas a olhares críticos, mais tarde tem que fazer a pesquisa intensa sobre as escolas, as que colocam em escolas alternativas e não em tradicionais, são as mães boas e ecológicas (vai saber o tipo de jargão que está se usando agora)... Qualquer escolha que se é tomada, não importa, tem alguém para dizer que não é boa.



Da mesma forma, ninguém discute que uma criança não é somente algo emocionante, há muito desgaste envolvido em criar e educar alguém. Mas isso dificilmente é discutido. São os temas tabus, por trás de mães que devem se apresentar poderosas. Nem a mídia mostra isso. As imagens de mães com seus bebês são sempre de ternura, e nunca assim:






A autora do artigo, também se pergunta da onde vem esse pensamento competitivo atrás de muitas mães.  Ela mesma não entende a incompreensão das mães umas com as outras. Algumas situações para ela parecem ridículas. Precisa mesmo uma mãe correr atrás de frutas e verduras orgânicas e frescas todos os dias, preparar durante a noite os 5 tipos de refeições diferentes que seu bebê deve ter, em vez de se jogar na frente da televisão. Ou precisa uma mãe por seu filho em sua cama porque está na moda agora (como é o nome mesmo, acho que attachment parenting), mesmo que ele durma bem em seu berço?



O tema amamentar então é quase como discutir política. Pode se perder uma amiga numa situação dessas. Muitas mães não conseguem nem ouvir uma mãe dizendo que escolheu não amamentar. Pera aí, isso é uma escolha? Para muitas mães não.





Até fralda pode dar briga. Será que meu filho vai ficar traumatizado se eu usar a fralda do Aldi (mercado ultra mega super barato alemão) em vez de Pampers?



Considerando que muitas crianças estão constantemente sendo negligenciadas ou o contrário, ditando as regras em casa, a autora gostaria de saber se a energia gasta nessas críticas e conselhos não seria melhor utilizada para reforçar as mães a cuidarem de suas saúdes, competências, de suas resiliências, em vez de constantemente produzir sentimentos de culpa desnecessária.



Uma mãe pode, por vezes, ter metas para si, diz a autora.



Talvez realizar seus sonhos pode ser um bom exemplo para seus filhos. Uma mãe feliz e descansada é provavelmente uma melhor companhia. Afinal, uma criança terá muitos mais problemas se é desrespeitada e ganha pouco amor e carinho. É mais fácil ela ser feliz se todos dormem bem e vão passear e brincar durante o dia, do que passar o dia procurando comida vegan de mau humor.



Por penúltimo, o conselho da autora (ela também não conseguiu escapar desse comportamento) é:  “queridas mães, você e suas colegas, amem seus filhos - e relaxem, por favor!




Por último, fico pensando porque as mães se sentem tão atingidas com tais críticas e comentários. Sentem-se elas inseguras? Será que é porque o sentimento maternal demora para "atingir" algumas mulheres? Mesmo sem entender o que acontece, como lidar com tais palpites? Provavelmente, quanto mais cedo você descobrir como aceitar conselhos indesejados graciosamente, mais fácil o seu ano vai ser. :)

Cíntia

Um comentário:

  1. Ótima narração! A um tempo atrás conversei com uma pessoa da minha empresa que acabou de ter bebê exatamente sobre isso, "palpites", e ele não parecia muito feliz hehe

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