Havia outro jeito de chamar sua atenção?
Esse post é sobre o congresso que participei no mês de março: Questions éthiques et contraintes de terrain dans le travail avec les consommateurs de drogues (Questões éticas e limitações de campo no trabalho com os consumidores de drogas), sobre a descriminalização do uso de maconha e políticas públicas relacionadas ao uso de drogas no Grão-Ducado.
Link para baixar todas as apresentações do congresso:
http://mag-net.eu/category/events/?archive
|
Não estava muito segura em ir para esse congresso, porque
foi em francês e alemão... Ficava pensando, será que eu daria conta? É um tema
com termos bem específicos, provavelmente eu desconheceria muitas palavras.
Mas fui. Cheguei lá e
tinha de manhã aquele cafézão me esperando. Bolachas caseiras, aquelas do tipo
que eu minha mãe e irmã íamos comprar em Santo Antônio do Pinhal quando
morávamos em Campos do Jordão. As bolachas valiam a pena uma viagem... E bem,
mais sucos, pãezinhos, chá... Delícia!
O congresso começou com uma apresentação bem importante – um
psicólogo falando da questão ética em relação ao tratamento do uso de drogas.
Para ele os psicólogos têm que usar menos palavras como
“você deve”, e sim “você quer?”. Ele começa sua apresentação com a pergunta:
Sabem os consumidores de drogas o que é melhor para eles mesmos?
Outro palestrante alemão, que falou mais sobre as leis
relacionadas as drogas, fez também piada do tamanho das palavras em alemão.
“Não queria assustar os franceses”, disse ele, “mas preciso passar de slide e
talvez apareça algo assustador para vocês”:
Betäubungsmittelverschreibungsverordnung
E eu e os franceses e belgas:
Mais tarde, o diretor da casa Abrigado (já vou falar dela), alemão
também, levantou uma questão bem importante relacionada aos profissionais que
trabalham com os usuários de drogas:
Isto é, temos nossa visão profissional, aquilo que
aprendemos de “o que é uso de drogas” e como deve ser tratado os usuários de
drogas, mas também temos nossos valores pessoais. E a pergunta é: sabemos realmente
diferenciá-los quando estamos em ação no nosso trabalho?
Outros palestrantes vieram e de repente alguém, lá por
meio-dia anuncia:
- Almoço de graça para os participantes!
E eu: What??? Primeiro, não precisei pagar, depois ainda tem
palestras enriquecedoras e por último comida de graça? Quem está brincando
comigo?
Mas para não ficar babando o ovo do congresso, vou explicar
um pouco como funciona o tratamento dos usuários de drogas aqui em Luxemburgo.
Pera aí, por que alguém se interessaria pelo uso de drogas em
Luxemburgo? Por curiosidade, questão profissional e porque talvez vai mexer com
sua moral. Por ser brasileira e ter vivido sob um regime político muito ainda
apegado a religião, talvez o que venha por vir é aborrecedor para muitos. Da
mesma forma, no Brasil, eu só tive experiência, como psicóloga, em duas
vertentes de tratamento de usuários de drogas: a) a tradicional medicamentosa/
psiquiátrica e b) a religiosa. Infelizmente não tive a oportunidade de
trabalhar com o CAPS álcool e drogas, por exemplo.
Os pontos principais, para mim, são:
- A maconha é descriminalizada em Luxemburgo. Uma lei de 2001 descriminalizou o consumo de cannabis (bem como o transporte, a posse e a aquisição para uso pessoal). Isso
significa que o uso de cannabis
continua a ser considerado como uma atividade ilícita, mas a punição não vai mais incluir sanções penais. Sentenças
de prisão de 8 dias a 6 meses
continua a ser aplicável, se o consumo
de cannabis acontece na frente de
menores, nas escolas ou no local de trabalho. Penalidades podem
aumentar até 2 anos
de prisão em caso de adultos
que usam maconha com
menores de idade.
-
A declaração governamental de 2004
define o viciado em drogas como uma
pessoa que necessita de assistência
médica, social e psicológica e não um criminoso.
-
A lei
de 2001 dá uma nova dimensão aos
cuidados de saúde, especialmente em relação as medidas de redução
de risco. A lei define um quadro jurídico para o tratamento de
substituição de drogas anteriormente
tolerado, mas não explicitamente permitido. Além disso, fornece uma base jurídica para a criação de salas de injeção e outros meios considerados adequados para
contribuir para reduzir os danos
causados pelo consumo de drogas.
- Aqui vai uma
lista com as drogas que são substituídas legalmente para o tratamento daqueles usuários que não querem ou não conseguem fazer abstinência:
-
Aqui vai o link de uma instituição (que se chama Abrigado) que faz tratamento, prevenção e redução de danos relacionados ao uso de drogas. Lá, há uma sala de consumação de drogas, local para dormir, fazer refeições, área de lazer e o
tratamento não é obrigatório. Você pode por exemplo, usar drogas lá, dormir no
local, mas não necessariamente participar das terapias:
http://www.cnds.lu/structures/abrigado/ |
Como assim? Melhor ter o usuário perambulando pelo centro de tratamento, do que na rua, não? Pesquisas indicam que aumenta a probabilidade de que em algum momento ele pode tentar fazer o tratamento.
-
O governo luxemburguês distribui seringas gratuitamente para os usuários. A distribuição de seringas tem como objetivo diminuir a quantidade de infecções
de hepatite e HIV.
- Como visto anteriormente, há locais específicos para
consumir drogas.
- Assim como no Brasil, há tratamento ambulatorial e
tratamento de internação.
- Apesar da reforma de lei de 2001, uma análise do governo mostrou que entre 2005 e 2009 as despesas públicas relacionadas às drogas
permaneceram estáveis. Isto é, o fato de distribuir
seringas, abrir locais de consumo de drogas, descriminalizar o uso da maconha, etc,
teve gastos, mas provavelmente ganhos em relação a diminuição da criminalidade e gastos com saúde.
-
De acordo com uma pesquisa feito pelo EMCDDA (European Monitoring Centre for Drugs and
Drug Addiction),
o uso de drogas diminuiu em Luxemburgo entre os anos de 1999 e 2010. O número
de pessoas infectadas por HIV também diminuiu, já o de Hepatite aumentou.
- As pesquisas em relação ao uso de drogas aqui em
Luxemburgo vão no sentido de observar o ambiente dos usuários. Como a famosa
pesquisa do cientista Bruce Alexander da Universidade de Simon Fraser chamada “Rat Park”, em que resumindo, sua hipótese era de que as drogas em si, não causam dependência, e que o vício aparente em opiáceos observados em ratos de
laboratório expostos a essas drogas é atribuído às suas
condições de vida, e não a qualquer propriedade viciante da droga em si.
Rat Park |
Para testar sua
hipótese, Alexander construiu o Rat Park, de 8,8 m2, 200 vezes a metragem
quadrada de uma gaiola de laboratório padrão. Havia 16 -20 ratos de ambos os
sexos na colônia, uma abundância de alimentos, bolas e rodas para brincar, espaço
suficiente para o acasalamento e cuidados com ninhadas. Os resultados do
experimento foram de acordo com sua hipótese. Os ratos que tinham sido forçados
a consumir cloridrato de morfina durante 57 dias consecutivos, foram trazidos
para Rat Park e foi dada uma escolha entre a água da torneira e água contaminada
com morfina. Para a maior parte, eles escolheram a água. Sendo assim,
os ratos que nascem em condições "extremas", como pequenas gaiolas
(isto é, menor probabilidade de variarem seus comportamentos) são
claramente mais propensos a se
automedicar.
Enfim, não é sobre as
drogas. É sobre o meio social em que vivemos.
Bom, vou parar por aqui, que recebi uns toques que textos
muito longos desinteressam mais rapidamente o pessoal. Então vou deixar para
contar outras histórias de drogas em outro momento.
Links:
Cíntia
Que interessante! Eu teria lido mesmo se fosse mais longo :)
ResponderExcluirOlá, adorei Seu blog! Gostaria de saber se pode me dar algumas dicas, sou psicóloga pós graduada na Espanha, como são as oportunidades de trabalho para psicólogo estrangeiro aí?
ResponderExcluir