É muito bom saber que eu posso contar com meu consulado no
país em que estou habitando. Infelizmente aqui em Luxemburgo não é o caso. Para
os brasileiros residentes no Grão-Ducado se beneficiarem dos benefícios do
Consulado devemos nos deslocar para Bruxelas, na Bélgica.
Mas de vez em quando temos a boa notícia de que o consulado
vem para cá nos ajudar. O tal “Consulado Itinerante”.
Eu não tinha nada de concreto para fazer lá, mas tinha
algumas dúvidas que mandei por email, como sugerido no telefonema que fiz para
o Consulado em Bruxelas e estou aguardando há 2 meses a resposta. Então achei
que indo ao Consulado Itinerante, talvez ao vivo, eles não me esqueceriam.
Peguei minha lista de dúvidas e parti para o local. Cheguei
às 9h no Consulado.
Dava para ouvir de longe que eu estava chegando um pouquinho
perto do Brasil. Pessoas rindo, conversando, crianças brincando e aquele clima
de “me sinto em casa”.
Quanto entrei na sala vi 4 mesas com 4 pessoas, uma em cada
mesa, que eu presumi que eram os funcionários. De frente para as mesas havia
várias cadeiras para nós, brasileiros perdidos no Grão-Ducado, se sentar e
esperar o atendimento.
Em volta das mesas dos funcionários havia várias pessoas em
pé, algumas rindo, outras irritadas e as cadeiras de frente as mesas, estavam
lotadas e várias pessoas estavam em pé, penduradas ou debruçadas por aí.
Muitas mães com bebês de colo e duas grávidas.
Também tinha uma mesa com umas bebidas... Logo pensei "Humm será que tem quitutes também?". Bolei já uma estratégia, de como faria para pegar as delícias...
Mas não, era só água mesmo...
Primeira coisa que pensei: “Como funciona?”... Procurei por “senha”
que é o mais óbvio. Não achei. Então parti para a segunda opção. Cutuquei um
jovem na minha frente e perguntei “Como funciona isso aqui?”. Ele riu e disse: “
– Não sei se funciona. Mas a senha você deve pegar com essa moça”. Ele apontou
a primeira moça, funcionária do Consulado, que estava atendendo os
brasileiros, mas era a mais perto da porta de entrada.
Parei do lado dela e tentei esperar uma brecha para pedir a
senha, já que ela estava atendendo outra pessoa. Fiz alguns sorrisinhos de sem graça,
do tipo “desculpe interromper”, mesmo que não há motivos para se desculpar, a
senha estava com ela e não havia outra maneira de pegar. Depois de uns 10 minutos, consegui uma brecha
“senha para preferenciais por favor”. E ganhei uma senha, a 618.
Daí pensei, “e agora, qual número está? Bom, vou esperar até
alguém gritar o próximo número”. Não sei quanto tempo se passou e de repente um
funcionário grita “521”.
“Puta que pariu, quase 100 pessoas na minha frente”. “100
preferenciais, Jesus Amado Salve Salve?”.
Olhei uma grávida ao meu lado e a senha dela era 743. Pensei
“puta merda, ela chegou antes de mim e ainda deram a coitada uma senha 743”. A questão ética de "devo ou não avisá-la" ficou para trás no momento que decidi dar
um rolê já que as costas já doem quando fico muito tempo sentada e 100 pessoas daria no
mínimo uma hora.
Dei um rolê de 40 minutos e voltei. Eram quase 10 horas.
“Senha 578”.
“Puta que pariudissss” pensei.
De repente, vi as grávidas e pais e mães de bebês de colo
fazendo uma manifestação ali com a funcionária das senhas. Só faltou cartazes.
Enfiei-me no meio e tirei meu cartaz do bolso.
Elas não estavam entendendo como funcionava a senha para preferenciais.
A funcionária se deu conta de que ela também não, de que na verdade não havia
senha para preferenciais.
Então pediu para nós, preferenciais, decidirmos entre nós quem chegou primeiro e
fazer uma ordem. Situação chata, porque não sabíamos exatamente quem chegou
primeiro. Mas como não havia outra forma, nós preferenciais fomos num cantinho,
juntamos também os idosos que estavam lá quietinhos, quase dormindo, e começamos
a bolar uma ordem.
Aí começaram as histórias, a mãe com arritmia cardíaca, o
bebê prematuro, dois bebês, recém cesárea. Meus problemas (dor nas costas, "dificuldades intestinais", gases, azia e queimação no estômago) começaram a parecer fúteis.
Fizemos a ordem e até que sem listar meus problemas não me saí mal. Eles
acharam que minha barriga representava quase 9 meses (é de 7!!) então eu não questionei
muito.
Papo entre os preferenciais vai e vem.
- Maternidade Bohler ou Grande-Duchesse Charlotte? Tanto faz.
- Cesárea ou parto normal? Cesárea sempre ganha... Tadinho do
pobre “parto normal” que aqui se chama “parto”, porque cesárea acho que é
somente 10% das mulheres que fazem. No Brasil chega a 80%, é isso mulherada?
- Azia ou dor nas costas? Dor nas costas.
- Hein? Dizia uma senhora de 80 anos.
Depois de saber de todos os babados gravídicos do país, fui
chamada. 11h30. Peguei minha lista e fui começando a tirar minhas dúvidas.
Resumo das minhas dúvidas: “isso tem que ser feito em
Bruxelas”, “isso também”, “daí você tem que voltar a Bruxelas para pegar esse
documento, depois de pronto”. “não, não, não fica pronto no mesmo dia, são 15
dias depois”. “sim, infelizmente a senhora precisa para isso ir 4 vezes a
Bruxelas”. “é, eu sei que são 3 horas daqui”. “não, não podemos trazer no
Consulado itinerante esses documentos, só o passaporte do bebê”. “isso, então são
3 vezes que a senhora tem que ir a Bruxelas, não 4”. “ufa”. “ah, mas tem um
problema, acredito que esse vai ser o último consulado itinerante em Luxemburgo”.
“sim, esse foi o primeiro do ano, mas acho que não vai ter outro”. “desculpe
que não respondemos seu email”. “o que a senhora pode fazer hoje é pagar essa,
e essa e essa e essa e essa taxa”.
12h fui embora e ao sair ouvi:
- Senha 701!
E o povo:
- Que????????????????? Mas o 600 nem começou ainda!!
- É que funciona assim: vai do 500 ao 599, depois do 700 ao
799 e depois do 600 ao 699.
Povo:
Parti almoço... Imaginando como governos gastam dinheiro público...
Lili