quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Até que ponto você acha que deve ser “agradável”?



O café está na xícara e Lílian aproveita o momento para contar de um probleminha que está tendo com uma colega.

                “Deixa eu contar então. Eu estou com um problema com uma menina da minha sala. No começo eu ficava perto dela, pois era a única que conversava comigo. Mas com o tempo, fui percebendo que não gosto dela. E não sei bem como agir diante dessa situação”.
                Eu lembro quando eu comecei a mentir sabe? Se é que se pode chamar de “ser agradável quando você quer despachar” de mentira. Há alguns anos atrás, eu ouvi meus pais conversando sobre um amigo deles. Esse “amigo”, que era um colega de trabalho da minha mãe, tinha os convidado para um jantar, e os dois não queriam. Minha mãe dizia que não gostava de mentir, e achava que eles tinham que ser sinceros com o colega. Meu pai queria dizer que eles tinham outro compromisso, ou que estavam cansados. E apesar da minha mãe dizer que não gostava de mentir ela estava lá ouvindo o meu pai, como se em algum momento ele fosse chegar na “melhor mentira”. Eu entrei na sala e perguntei: porque vocês não falam para ele que vocês não querem ir? Eles ficaram sem graça, primeiro porque eu estava ouvindo. No fundo eles sabem que tem que ensinar “boas maneiras”, mas bem, o que são boas maneiras? Deixar o amigo triste e pensativo “porque eles não querem vir?” ou deixar o amigo chateado “ah, pena que eles têm que trabalhar”. Depois de algum tempo, meu pai se enrolando para me dar alguma resposta, eu perguntei outra coisa: se vocês não gostam de sair com ele, porque saem?
                Meus pais começaram a explicar ali algumas regras de convivência. Dentre elas é pregar uma mentirinha “social” e atender algumas regras e exigências sociais. Eu não sei se gosto ou não gosto dessas regras. Elas já me salvaram mas em geral elas até hoje me perseguem e eu sempre tenho um conflito terrível: falar o que realmente penso ou ser agradável e atender as regras sociais de convivência. Eu tentei algumas vezes falar diretamente o que penso. Mas isso em geral acabou mal. Só com alguns bons amigos se dá para ter esses momentos. Ah! E quando acontecem, são libertadores. Com os outros, provavelmente parece simplesmente essa menina agradável e sorridente. Eu até gosto dela. Somente às vezes. Porque em certas circunstâncias, ela me irrita e me torna uma pessoa insegura e boba.
                Bom, isso quer dizer que o fato de eu ter aprendido a mentir tem a mesma raiz da minha insegurança. Na verdade a mentira nada mais é que gole de incerteza sobre você tomado diariamente. No fim, cadê você? E é isso que estou procurando agora. Essa menina, a que estou tendo problemas, é uma chata. Ela fica falando durante a aula e eu gosto de prestar atenção. Em alguns professores presto atenção por regra. Afinal, tenho que ir bem na escola para depois fazer faculdade (mais uma regra?). Em alguns professores eu nem reparo que estou prestando atenção. Eu estou simplesmente envolvida na aula e quando percebo saio feliz, renovada e cheia de ideias novas. Essa menina mata isso de mim. O problema nem é tanto a quantidade de conversas cuspidas durante a aula. Acho que é o conteúdo. É sempre o nosso camarada Jesus. Ela coloca toda a responsabilidade do mundo nas costas desse camarada. “Jesus vai me direcionar um caminho”, “Jesus vai me fazer tirar uma nota boa”, “Jesus vai cozinhar para mim”. É quase isso. Ela pode simplesmente sentar, que Jesus vai fazer tudo por ela.
                Além do mais, ela ri do próprio sofrimento. Ela conta uma história dramática rindo. Um riso assim meio de bruxa, me dá calafrios. Ela contou que o irmão dela “tem” transtorno obsessivo compulsivo. Por estranho que pareça, não foi Jesus que “colocou” a “doença” nele. Ao contar, ela ria, jogava a cabeça para trás, arrumava os cabelos gigantescos e ria. Não sei. Ela me faz mal. Perto dela eu sempre sinto que preciso de um café. E depois preciso de um dos remédios que o irmão dela toma, e depois preciso simplesmente sair correndo e gritando.
                Aí a pergunta surge: Devo dizer para essa menina que não quero mais ser “amiga” dela? Eu não sou amiga dela. Mas sinto que ela me rotula como amiga dela. Eu não sei quando se inicia uma amizade. No nosso caso, depois de duas horas de conversa ela já cria que era minha amiga. Mas eu a conheço há meses e não me sinto nada sua amiga. Muito menos agora. Nesse momento eu definitivamente gostaria que os pais dela resolvessem se mudar de país e a levassem embora.
                Eu sei que vocês vão me dizer para se afastar dela. O problema é que eu não só aprendi as regras sociais, eu aprendi a ser agradável. Bá, isso aí acabou comigo. Eu li também Pequeno Príncipe quando era criança e o Exupéry me colocou numa enrascada. Agora acho que todo mundo que gosta de mim eu devo ser amiga ou retribuir de alguma forma. Mas não fica claro no livro essa questão: se uma pessoa gostar de você, e você não gostar muito dela, mas mesmo assim ela fica a te cumprimentar, a contar coisas sobre ela, a achar que você é uma amiga, isso significa então fudeu? Se eu a cativei, terei que ser responsável por ela? Mesmo se não fiz nada demais, só existi perto dela? Apesar do pequeno príncipe passar um tempão conversando com a flor, cuidando dela, e aí sim eles iniciarem uma amizade, tem gente que você fala “oi” e ela já é tua melhor amiga, já te adiciona no Face e escreve “Miga, te adoro”, “Linda”. Ai que saco. Tenho um primo gatíssimo, que tem mil mulheres adicionadas no Face dele. Ele olha para elas, e pronto, tá lá “Chatinha quer te adicionar como amigo”. Que isso meu, esse pessoal é carente demais ou o que? E depois ainda cobram a amizade “ai você nem me dá atenção”. Eu nunca dei! Você que inferiu que eu dei e já me cobra “regras” que nunca foram esclarecidas.
                E aí, até que ponto vocês são “agradáveis” e como consequência dessa regra social carregam um nervosismo para casa? Em algum lugar nós descontamos, não?

Lílian

terça-feira, 27 de agosto de 2013

"Crê nos que buscam a verdade. Duvida dos que a encontraram" de André Gide